quarta-feira, 10 de março de 2010

O TEXTO PERDIDO


Nietzsche (Edward Munch)


"Como aconteceu finalmente em todo o iluminismo dos tempos modernos com a Revolução Francesa (essa terrível farsa, completamente supérflua quando julgada mais de perto, na qual, contudo, os espectadores nobres e visionários de toda a Europa interpretaram à distância a sua própria indignação e o seu próprio entusiasmo, por tanto tempo e tão apaixonadamente até que o texto desapareceu sob a interpretação), assim uma nobre posteridade poderia uma vez mais interpretar mal todo o passado e por isso tornar o seu aspecto suportável – ou melhor, não aconteceu isto já? Não fomos nós mesmos essa 'nobre posteridade'? E, na medida em que agora compreendemos isso, não é isso, portanto, já passado?"

"Beyond Good and Evil" (Friedrich Nietzsche)


Noutro lado, diz o filósofo que só quem tem as chaves do futuro possui as chaves do passado. Mas o futuro não é nada ainda e, como dizia Simone Weil, não pode ser fonte de verdadeira inspiração. Mas se esse "futuro" for, na realidade, o presente, a nossa liberdade depende duma chave que não "faça desaparecer o texto do próprio passado". Não o passado reescrito para legitimar a decadência, mas a raiz em que toda a ascensão se apoia.

A ideia de que a Revolução Francesa foi uma espécie de formidável álibi para um corte drástico com o passado, no momento em que se escondia sob a máscara da república romana, talvez contribua para explicar os desastres do século XX.

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