"Ele tinha-se posto a meditar e estava de pé no mesmo lugar desde o amanhecer, perseguindo uma ideia e, como não conseguisse desenvencilhar-se, permanecia de pé, obstinadamente amarrado à sua questão. Era já meio-dia; os soldados observavam-no e diziam entre si com estupefacção: 'Sócrates está ali de pé a meditar desde a alvorada'. Enfim, pelo fim da tarde, alguns Jónios, depois do jantar, trouxeram os seus leitos de campanha para fora, porque se estava então no verão, para se deitarem ao fresco, ao mesmo tempo que observavam Sócrates, a fim de tirarem a limpo se ele iria ficar ainda de pé durante a noite; e ele com efeito manteve-se nessa postura até que surgiu a aurora e o sol se ergueu; a seguir foi-se embora, depois de ter feito a sua oração ao sol."
"Le Banquet" (Platão)
Com esta descrição, no maravilhoso estilo do filósofo, o pensar torna-se, talvez pela primeira vez na história, espectáculo e objecto de admiração. A meditação de Sócrates, durante a expedição de Potideia, nem é preciso dizê-lo, é algo de estranho na guerra. Mais de dois mil anos depois, Tolstoi dá-nos um outro momento de incomparável beleza quando o príncipe André, ferido, se entrega a um célebre monólogo, sob o céu de Austerlitz.
Mas, voltando a Sócrates, o que ele deu a ver, coisa talvez inédita até ali, foi a importância do pensamento de si para si, patente aos olhos dos seus companheiros de campanha que, por outro lado, não podiam senão igualmente admirar as qualidades militares do filósofo. Isto, no momento em que devia parecer a todos que a tarefa de cada um estava perfeitamente definida pela urgência operacional.
A guerra não interrompeu a filosofia. Nunca mais se viu uma coisa assim.
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