Na "Guerra e Paz" de Tolstoi, o conde Rostov, enquanto mostrava a sua colecção de cachimbos turcos, deixava de tempos a tempos o estúdio para perguntar se ela já tinha chegado. "Estavam à espera de Marya Dmitrievna Akhrosimova, conhecida em sociedade como um terrível dragão, uma dama que se distinguia, não pela sua riqueza ou o seu estatuto, mas por falar segundo o bom senso e a plena franqueza."
É preciso compreender o que é uma sociedade regida pela etiqueta em que, como diferentes mecanismos respondendo às vénias uns dos outros, as pessoas, entre si, naturalmente acabam por excluir os gestos inesperados e os pensamentos que possam ferir, mesmo remotamente, a sensibilidade duma velha tia, a quem a dona da casa infalivelmente apresenta os convidados.
O tédio absoluto é o que costuma resultar dum tal regime. Vemos no "Vermelho e o Negro", de Stendhal, o exemplo duma jovem aristocrata que faz questão de se rebelar contra a regra, mas essa impertinência, uma vez aceite, constitui ela própria uma cortesia.
No romance de Tolstoi, Pierre é conhecido por se comportar como um urso numa cristaleira. Porém, como é ingénuo, pode ser facilmente desviado para um canto onde as suas extraordinárias opiniões causem menos estragos e, no fim, parece até pedir desculpa por ser como é.
Marya Dmitrievna é um incómodo de outra espécie. Ela é possuída pela furiosa virtude de falar como o povo, apesar da sua imensa fortuna. Mas, tal como Mlle. de La Mole, a sua violência contra a etiqueta torna-se uma coisa esperada, um atributo pessoal, como o mau feitio ou uma deformidade da natureza.
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