"Mas o próprio facto de encerrar e significar é por muito tempo diferido, como se a função do embrulho não fosse de proteger no espaço mas de reenviar no tempo; é na embalagem que parece investir-se o trabalho de confecção (do fazer), mas por isso mesmo o objecto perde algo da sua existência, torna-se miragem: de embalagem em embalagem, o significado foge, e quando o temos, enfim (há sempre alguma pequena coisa no embrulho), ele parece insignificante, irrisório, vil: o prazer, campo do significante, foi tomado: o embrulho não está vazio, mas esvaziado: encontrar o objecto que está no embrulho ou o significado que está no signo é lançá-lo (…)"
"L'empire des signes" (Roland Barthes)
Diz Barthes que os Japoneses têm o hábito de embalar um insignificante pastelinho de feijão até, como se tratasse duma jóia. O conteúdo é um pretexto para a arte do gesto. Um pensamento que se escreve com uma pincelada que é a própria mensagem.
Claro que a embalagem como strip tease não nos é desconhecida, ou certas formas de retórica que espicaçam a curiosidade do auditório, lançando-se em digressões para adiar o momento da revelação. Mas no final o que prevalece é o juízo utilitário (apesar de se dizer que é a intenção que conta) sobre o valor da prenda ou sobre o minúsculo rato que pariu a montanha retórica.
O Japão de Barthes, declaradamente um "objecto romanesco" não é uma análise da realidade, mas um sistema que o autor põe a "funcionar" diante do leitor.
Se alguma coisa se perde, inevitavelmente, em qualquer "actualização" deste império artificial é a tradução.
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