O Duque de Saint-Simon (1675/1755)
"Era um fúria loira, e além disso uma harpia: tinha delas a falta de vergonha, a maldade, a hipocrisia e a violência; tinha delas a avareza e a avidez; delas ainda a gulodice e a prontidão em aliviar-se e levava ao desespero aqueles a casa de quem ia cear, porque nem precisava, ao sair da mesa, de toilette, a qual nem tinha frequentemente tempo de alcançar, e deixava um rasto medonho de sujidade no chão que dava muitas vezes um trabalho dos diabos ao pessoal de Mme du Maine e de Monsieur Le Grand. Ela não ficava de modo algum embaraçada, arregaçava as saias e seguia em frente, depois voltava dizendo que se sentira mal: estava toda a gente já habituada."
"Mémoires" (Saint-Simon)
Neste retrato da princesa de Harcourt, voamos nas asas do melhor estilo do cronista tão admirado e pastichado (como quem pratica o "cravo bem temperado") pelo autor da "Recherche".
Não sabemos se é justo (é uma fábula justa?), mas não sentimos a falta de uma hipotética qualidade nesta princesa da corte de Luís XIV. Basta-nos a cor forte, fauvista, para colocar este retrato no panteão da literatura.
E, para além do pitoresco da situação, não temos diante dos olhos a comédia humana do tempo, com aristocratas que se julgam acima das conveniências e criados a limpar o produto da sua incontinência, sem revolta, sem se perguntarem como hoje, com todo o direito, fariam se isso se enquadrava nas suas funções?
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