quinta-feira, 13 de agosto de 2009

CABEÇA, CORAÇÃO E VENTRE


Emmanuel Gabellieri


"J.F. Mattei responde, com efeito, a Karl Popper que se Platão parece opor-se à ideia de igualdade política que é própria da democracia moderna, não é porque ele teria um modelo de pensamento tirânico, mas porque o seu pensamento do ser como harmonia, sistema de relações e de proporções, o interdita de pensar as relações do um e do múltiplo segundo a pura regra da igualdade numérica do idêntico. Ora, isto não exclui de modo nenhum o reconhecimento da exigência democrática, pois que se vê muito claramente que, para Platão, do mesmo modo que a filosofia é dialogal e não solitária, o regime político ideal não é a monarquia mas 'uma mistura' de monarquia e de democracia, como o diz o Estrangeiro nas 'Leis' (VI 757 b-e)."

"'Action' et 'Inspiration': un double fondement du politique?" (Emmanuel Gabellieri)


O conceito do regime político ideal pode ser uma aspiração dos indivíduos, mas nos que detêm o poder inspira normalmente a acção autoritária.

Mas talvez a questão esteja mal colocada e o melhor regime não tenha a ver com um modelo prévio, mas com a natureza e a história política de uma dada sociedade.

A democracia não podia ser o regime ideal para o filósofo de "A República" que via o político condicionado por uma natureza orgânica do social, com cabeça, coração e ventre. A estrutura de classes, desse ponto de vista, era necessariamente mais justa do que a igualdade "sem órgãos". Por muita volta que se dê, não se pode converter um aristocrata com tantas razões para o ser numa espécie de democrata à inglesa.

De resto, a igualdade em qualquer das democracias conhecidas é a sua parte utópica, e o que vemos é a reconstituição mais ou menos funcional dum "orgânico" que não é reconhecido na semântica para auto-consumo do regime.

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