domingo, 16 de agosto de 2009

FORA DA CAVERNA



"Possibilidade, necessidade, são nestas linhas (de Tucídides) os termos opostos à justiça. É possível tudo o que um forte pode impor a um fraco. É razoável examinar até onde vai essa possibilidade. Se a supomos conhecida, é certo que o forte cumprirá a sua vontade até ao extremo limite da possibilidade. É uma necessidade mecânica. De outro modo, seria como se ele quisesse e ao mesmo tempo não quisesse. Há aí necessidade tanto para o forte como para o fraco."

"Formes de l'amour implicite de Dieu" (Simone Weil)


Tal como Descartes conseguia imaginar o homem-máquina separado do espírito, temos nesta interpretação weiliana dum episódio da guerra do Peloponeso uma versão da pura mecânica social.

Só o espírito é criador porque não está sujeito à "necessidade" (a não ser a da sua própria lei). Para que o general ateniense respeitasse a fé e a liberdade dos habitantes da ilha de Melos teria de encontrar uma resistência que a fraqueza militar destes não poderia oferecer. A destruição de Melos estava assim ditada pela sorte. Esse destino só poderia ter sido diferente se a vontade ateniense fosse desarmada por outros pesos e outras medidas, por outra escala de valores, que Simone identifica com a graça e com a atenção "ao que não existe" e cita S. Paulo: "a fé é a visão das coisas invisíveis."

Os Atenienses não tinham a noção de um deus que "não mandasse onde quer que tivesse o poder". Simone compara a graça a uma espécie de génio. Esse génio faltava de todo aos mais fortes.

A necessidade mecânica (podemos nela incluir o instinto e a sensualidade) não tem, pois, nada a ver com a justiça. Esta só aparece quando a força se mede com outra força que deixe o resultado em dúvida.

Mas quando a sociedade se torna suficientemente complexa, a força não se mede só em espingardas, nem o poder simplesmente pelo estatuto ou a hierarquia. É tudo muito mais indecidível e por isso a justiça é muitas vezes requestada como uma espécie de técnica para se sair do impasse. Maquiavel subscreveria isto. É por isso que Platão a queria (à justiça) fora da Caverna.

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