Os sapatos, em “The
red shoes” (1948-Powell & Pressburger), têm vida própria e, porque não
param de dançar, arrastam a bailarina para a morte. No filme de Darren
Aronofsky, Nina Sayers (Natalie Portman), que conquistou o papel da princesa
Odete (no “Lago dos Cisnes”), não consegue convencer o director Leroy (Vincent
Cassel) de que possui também um lado negro para representar a princesa má,
Odile (o cisne negro).
A dualidade exigida
pelo papel não é fácil para Nina que vive sob o sufoco da mãe (Barbara Hershey),
bailarina frustrada que a obriga a sacrificar a vida pessoal à carreira que gostaria
de ter tido. Só a esquizofrenia lhe permite “fantasmar” a sexualidade necessária,
segundo Leroy, para incarnar o cisne negro. É assim que, depois de, numa alucinação,
se ter ferido com um pedaço de espelho (que é o da sua imagem estilhaçada),
Nina, na estreia consegue arrebatar o público, num desempenho em que se mescla
a disciplina e a paixão, realizando a fórmula do seu director.
Ao triunfo da mãe, na
plateia, corresponde o sacrifício da filha que aguenta, ferida de morte, como o
Calvero de “Limelight”, o espectáculo até o fim.
O paradoxo do actor é
este: ele não morre quando representa a própria morte, nem nós consideraríamos
que representava se morresse. Assim, a figura de Nina, que julga imolar-se à
sua arte, acaba, como todos os sacrifícios verdadeiros, por ser um acto de
redenção. A perfeição “salva”.
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