“(…) ainda têm uma certa leviandade porque
examinam tudo
como se se destinasse a ‘uma paisagem interrompida
pelo frio.’”
“Autofagias” (Herberto Helder)
Conheci um homem que,
logo que se sentava à mesa, procedia a uma minuciosa verificação da toalha,
prato, copo e talheres. Podíamos chamar a isso um ritual securizante. Mas, no
fundo, também ele tinha a “leviandade” de que fala Herberto Helder. Pretendia
pôr-se ao abrigo dos incontáveis inimigos invisíveis que nos cercam a todo o
momento.
Queria dar uma ajuda
ao seu sistema imunitário, ou, simplesmente, não confiava nele, mas isso
ocupava de tal modo o seu espírito que desorientava todos os seus sensores
sociais. A “paisagem” tornava-se gelada.
Quando se perde a
confiança no próprio corpo (e isso acontece com a primeira doença grave), o “examinar
tudo” já não é uma leviandade, mas um modo de vida. É como viver com uma “prótese”.
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