“A
culpa era das condições particulares da vida na Escola. O fluxo das energias
juvenis contido pelas altas muralhas cinzentas acumulava, misturadas na
imaginação, todas as espécies de visões voluptuosas que desnorteavam mais de
um aluno.
Um
certo grau de imoralidade passava mesmo por uma prova de virilidade e de
coragem, a conquista valorosa de certos prazeres ainda interditos. Sobretudo se
se era confrontado pela aparência dos professores, na maior parte estiolados à
força de virtude. Toda a exortação à moral encontrava-se de imediato ligada,
para seu grande prejuízo, a ombros estreitos, a ventres ocos, a pernas magras,
a olhos que pareciam, por detrás dos óculos, como se a vida não fosse mais do
que uma vasta pradaria esmaltada pelas mais belas flores da retórica
edificante.”
“Les désarrois
de l’élève Törless” (Robert Musil)
O colégio de Törless
parece nos antípodas da escola de hoje. Já não se sente a prussiana necessidade
de conter as energias juvenis (como preparação para a burocracia imperial ou a
vida militar) que encontram facilmente um exutório nos costumes modernos.
Com essa liberdade,
ter-se-ão perdido, certamente, as “visões voluptuosas” que atormentavam ( e
deliciavam ) Törless e muitos outros, porque, como se sabe, o interdito
potencia o prazer. Marcuse tem uma expressão que dá conta desse fenómeno: é a
dessublimação repressiva. Significa, evidentemente, que os nossos impulsos,
mesmo os menos sociais, podem não ser “convertidos” , por exemplo, para a acção
virtuosa ou para a expressão artística, mas nem por isso deixam de ser
reprimidos pela ordem que os “liberta”.
A relação vertical
com os professores e, sobretudo, a imagem que deles tinham alunos como Törless
( e que equivale à da nêspera de Mário-Henrique Leiria), foi, talvez, o que
mais mudou de sentido.
Dir-se-ia que o que
se ensina está em todo o lado, menos na escola, ao alcance de qualquer
abelhinha diligente. Assim sendo, a principal tarefa dos professores parece ser
a de “ensinar a aprender” ( a prática das boas abelhas, segundo os “pedagogos” ).
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