“A
falta primordial é o gesto que faz desaparecer o existente: o gesto daquele que
come. A falta é obrigatória e inextinguível. E, uma vez que os homens não sobrevivem
se não comerem, a falta para eles está estreitamente entretecida na sua fisiologia
e renova-se continuamente.”
“Les noces de
Cadmos et Harmonie” (Roberto Calasso)
A mitologia grega
explica como tudo começou. Foi “o boi, o
boi de trabalho, companheiro do homem, que comeu um dia o bolo e os outros doces oferecidos aos deuses.” Por
isso, desde o princípio, se sacrifica o animal. É ele que expia a nossa falta, porque
a falta não pode ser suprimida, mas apenas deslocada, endossada para o animal.
Tudo isto faz muito sentido
se pensarmos que só pouco a pouco nos fomos isolando da natureza. A
Natureza-Mãe é uma metáfora hoje caída em desuso, porque a natureza é, em vez
disso, o nosso único objecto.
Vê-se que fazer
desaparecer o existente não é atenuado pela mudança para uma dieta vegetariana
ou sintética. Levámos mesmo até às últimas consequências o princípio da falta,
tornando-nos omnívoros e consumistas. Só talvez as guerras, o crime urbano e o
massacre das estradas se aproximem de qualquer sacrifício de expiação (sem
interposto animal). E o mito foi, de certo modo, actualizado no fundamentalismo
ecológico.
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