terça-feira, 22 de junho de 2010

O PECADO DE SATÃ


Satã (Gustave Doré)


"É Platão que é o verdadeiro precursor das minuciosas descrições de Dante; porque em Platão encontramos pela primeira vez não somente o conceito dum juízo final, decidindo da vida eterna ou da morte eterna, das recompensas e dos castigos, mas a separação geográfica do inferno, do purgatório e do paraíso, tanto quanto a ideia horrivelmente concreta dos graus dos castigos corporais."

"La crise de la culture" (Hannah Arendt)


A ideia do inferno pertence à doutrina política do filósofo, destinada à multidão. Para os poucos, era a doutrina "estritamente filosófica" da imortalidade da alma.

Esta duplicidade não é exclusiva de Platão e encontra-se dela um eco no próprio Evangelho, com o recurso às parábolas, linguagem, por um lado, mais apropriada aos "simples" e, por outro, desarmando pela indecisão do seu sentido os raciocinadores.

Qualquer especialista, não importa a sua disciplina, usa dessa duplicidade. Por isso temos a economia para a televisão e a economia para os técnicos. É fatal que as ideias precisem de ser "trocadas por miúdos" e a ciência ou a grande literatura de ser objecto dessa palavra horrível que é a vulgarização.

Isso não põe em causa a democracia, nem pode encontrar nela uma solução.

Apesar disso, tal como os crentes que, com a ideia do inferno, foram tratados como crianças, não esperemos que aqueles que têm de "trocar por miúdos" se sintam genuinamente iguais. É por isso que o orgulho é o pecado de Satã.

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