"O sacrifício de Isaac" (Caravaggio)
"Chamamos 'sacrifício de Isaac' a um episódio das histórias sagradas que tem felizmente um bom fim, porque Isaac se sai bem. Atado como um cabrito em cima duma pedra e o pai com uma faca nas mãos pronto a degolá-lo, é salvo por Deus no último instante. Os hebreus não falam de sacrifício neste caso, mas de akedà, atadura."
"Caroço de azeitona" (Erri De Lucca)
Este precioso livrinho é dum ateu apaixonado pelas histórias da Bíblia. Considera-se ateu porque não é capaz de chamar "Tu" a Deus, na oração. "O outro obstáculo é o perdão. Não sei perdoar e não posso admitir ser perdoado." Para ele, existe o "limite do imperdoável, do jamais reparável." Dir-se-ia que é pouco o que o afasta da comunidade dos crentes. Mas naquele pronome está a verdadeira diferença em relação ao deísmo e ao Deus dos filósofos. Quando Einstein diz que "Deus não joga aos dados", refere-se a ele na terceira pessoa e, no entanto, todas as pessoas são "antropocêntricas".
De qualquer modo, como leitor da História Sagrada, o autor não precisa de outras credenciais, para além da sua sensibilidade de poeta à vibração das palavras, para nos dar pérolas como as do trecho sobre um sacrifício que não chegou a ser. De facto, não houve sacrifício, e Deus nunca o concebeu, embora tivesse iludido Abraão sobre as suas intenções.
"A atadura de Isaac é o máximo de uma obediência que sacrifica mesmo a própria dignidade, que aceita ser enganada."
Repare-se como é justo dizer atadura, no sentido daquela obediência e humilhação, em vez de sacrifício. Mas como, por outro lado, só a palavra sacrifício (que era real para o pai que oferecia o filho "atado como um cabrito em cima duma pedra") dá o verdadeiro sentido à cena. E poderá alguém encontrar outro simbolismo que não denuncie a crueldade deste Deus?
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