segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

A LIBERDADE DO LACRAU



Sören Kierkegaard (1813/1855)


"Por isso o demónio não aparece claramente senão em contacto com o Bem, que vem de fora rondar em torno dos seus confins. E por isso é digno de menção que nos Evangelhos o demoníaco não se revele antes da vinda de Cristo; e seja o demoníaco legião (veja-se Mateus, VIII, 28-34, Marcos V, 1-20, Lucas, VIII, 26-39) ou seja mudo (Lucas, XI, 14), o fenómeno permanece idêntico: há sempre a angústia do Bem."

"O Conceito de Angústia" (Sören Kierkegaard)


Pergunto-me se estas elucubrações do teólogo dinamarquês são assim tão anacrónicas como parecem, hoje, quando o Limbo se extinguiu e o Inferno pouco mais é do que uma metáfora sartriana.

Kierkegaard diz que "se a escravidão do pecado é uma relação forçada com o Mal, o demoníaco se apresenta como uma relação involuntária com o Bem."

A ideia é, portanto, que a liberdade é necessária ao regime demoníaco. E não é assim que distinguimos entre, por um lado, o vício e todas as formas de loucura do catálogo psiquiátrico e, por outro, a vontade de fazer mal (conscientemente, porque se tem, ao mesmo tempo, alguma ideia do bem)?

Mas pode-se defender esta última como um outro tipo de necessidade: a do carácter ou da natureza, e que se revê na fábula contada por Orson Welles do escorpião e da rã. A lógica leva a rã a correr o perigo de levar o aracnídeo às costas na travessia do rio, mas a natureza do escorpião leva-o a atacar, afundando-se ambos.

Parece assim que o demoníaco é por de mais humanista, assentando numa ideia da liberdade que, de facto, pressupõe o homem no centro do mundo (à imagem do seu "Criador"). É essa altura que cava o abismo.

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