segunda-feira, 19 de abril de 2010

UM HOMEM DO CAMPO




"-'Não compreendo, não compreendo', disse.

-'O que é que não compreendes?' disse Oblonsky, sorrindo radiante como sempre e sacando dum cigarro. Estava à espera duma rápida explosão da parte de Levin.

-'Não compreendo o que é que tu fazes', disse Levin encolhendo os ombros. 'Como podes fazê-lo seriamente?'

-'Por que não?'

-'Porquê? porque não há nada nisso!'

-'Tu pensas assim, mas nós estamos sobrecarregados de trabalho.'

-'No papel. Mas é verdade que tens um dom para isso', acrescentou Levin."


"Anna Karenina" (Leo Tolstoi)


Levin, o camponês, não compreende a burocracia, em que parece levitar o seu cunhado, bem instalado numa repartição, os seus grandes ares, a importância duma rubrica, a dança dos funcionários e dos papéis. Enfim, ali não há nada que ele possa considerar uma coisa concreta, um bem sólido, algo que possa medir com as suas botas ou trabalhar com as mãos. E Oblonsky até concorda que ele é mais feliz, com os seus mais de seis mil acres no distrito de Karazinsky.

A imaterialidade da burocracia, que a casa tão bem com o poder, não desceu das nuvens como um deus ex-machina. No componente da peça que sai da cadeia de montagem, o aço de que é feito não o torna mais "concreto". É o sistema económico e a organização fabril, coisas transcendentes em relação ao elo humano que o produz, que lhe dão um sentido e o fazem perder o seu carácter de abstracção.

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