sexta-feira, 2 de abril de 2010

ESTADO DE GUERRA




Era difícil que "Estado de guerra" (2009, Kathryn Bigelow), título bem menos interessante do que o original ("The Hurt Locker" – o fecho da dor?) tivesse escapado a uma leitura oportunista ( o martírio do soldado americano ) e fosse só apreciado pela obra-prima do cinema que é. Quem viu no filme uma justificação da guerra julgando-o pela vertigem do sargento James (Jeremy Renner), um estropiado emocional que já só encontra no permanente confronto com a morte o sentimento de viver, passou ao lado do essencial. Depois de jogar à roleta russa cada vez que desmontou uma das suas 873 bombas, James já se encontra presa do "hurt locker, perfeitamente acabado para o que uma vida normal exigiria dele. A cena em que, durante o seu temporário regresso a casa, junto da mulher e do bebé, o vemos perdido entre as prateleiras de cereais dum supermercado parece ter sido escolhida como antítese do sentido que, para James, só o despique com a morte tem. E é essa a última imagem do filme: o regresso de James ao seu limiar de sensibilidade, ao encontro de mais uma explosão adiada. O Iraque, em que a hostilidade da população não parece ter excepções, nem dar lugar a nenhum outro pensamento que não seja tornar a vida daqueles soldados um inferno na terra, com as pausas da embriaguez dentro do campo fortificado, não é um país real mas um cenário dramático e psicologicamente mais do que verosímil.

O mais violento dos filmes não nos dá nunca a impressão duma violência gratuita e a sua moral limpa-nos os olhos, ao apresentar-nos os verdadeiros heróis sem glória e tomados pela loucura.

Já sabíamos que todos perdem numa guerra e que não podemos culpar os deuses.

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