Depois de um excepcional "O milagre segundo Salomé" (2004), Mário Barroso dá-nos uma magnífica versão livre do "Amor de Perdição".
O que há de Camilo aqui senão o nome das personagens e um romantismo desesperado que, milagre do cinema, não destoa num ambiente de telemóveis e discotecas na moderna Lisboa?
Ódios de família e amores fulminantes, como os dos Capuletos e Montéquios são um tema inesgotável e de sempre. A violência também. Barroso dá-nos um Simão Botelho (um físico e brilhante Tomás Alves) selvagem, pouco menos do que um rufião que brutaliza colegas e professores, mas que, no entanto, nos aparece envolto numa aura de incontível liberdade (a submissão é uma ignomínia, escreve ele nas paredes do quarto) e de fatalismo (um par absurdo, não é verdade?) que no-lo torna irresistivelmente simpático. Sem dúvida porque estamos dentro do segredo do seu triste destino. Tudo nos parece resgatado pela ideia do sacrifício total e do "amor de perdição".
Um outro tema que parece essencial na economia da história é a família de Simão, ela própria dividida e tragicamente incestuosa. O ódio entre os irmãos tem ressonâncias esquilianas. Os pais vivem de "couteaux tirés", observando não se sabe que contrato diabólico para manter as aparências. Em que medida é este foco deletério necessário à violência de Simão e à sua paixão por uma Albuquerque? Confere-lhe sem dúvida o carácter dum desafio mortal, marcado pelo absurdo e a impossibilidade.
A morte dos jovens nem sequer, como no trágico isabelino, traz a reconciliação das famílias desavindas. E Teresa, de facto, não está fora do pesadelo e é ignorada em si mesmo. Não é mais do que um míssil de longo alcance.
1 comentários:
Apreciação muito interessante.
Excelente crítica!
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