domingo, 26 de abril de 2009

O REDUCIONISMO DO TEMPO


Gulliver em Liliput



"Por que é que não se pensa então, quando se muda a nossa vida porque não se sabe se uma mulher passou na rua de Bérri ou na rua Washington, por que é que não se pensa que esses poucos metros de diferença, e a mulher ela mesma, serão reduzidos ao centésimo milésimo (quer dizer a uma grandeza que não podemos perceber) se apenas tivermos a sabedoria de ficar alguns anos sem ver essa mulher, e aquilo que era ainda maior do que Gulliver se tornará numa liliputiana que nenhum microscópio - pelo menos do coração, porque o da memória indiferente é mais poderoso e menos frágil - poderá já perceber."

"La Prisonnière" (Marcel Proust)


A nossa sabedoria só dispõe da força necessária para reduzir o objecto do desejo às proporções de Liliput, quando esse objecto já nos é indiferente. Outro caso é mudarmos de caminho, porque as circunstâncias, essas sim, têm força. Mas mais "reducionista" ainda do que a abstinência do olhar é o tempo, a idade, que transforma o Gulliver amoroso numa cabeça de jívaro.

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