quinta-feira, 30 de abril de 2009

O AMOR BIFRONTE


Proust com Alfred Agostinelli

"Todo o ser amado, e até numa certa medida todo o ser, é para nós como Janus, apresentando-nos a fronte que nos agrada, se esse ser nos abandona, a fronte sem brilho, se sabemos tê-lo à nossa disposição. No caso de Albertine, a sua companhia durável tinha qualquer coisa de penoso duma outra maneira que não posso dizer nesta narração. É terrível ter a vida duma outra pessoa presa à sua como uma bomba que se segurasse sem que pudéssemos largá-la sem crime. Mas que se tome como termo de comparação os altos e os baixos, os perigos, a inquietação, o receio de vir a acreditar mais tarde nas coisas falsas e verosímeis que não se poderão já explicar, sentimentos experimentados se se vive com um louco."

"La Prisonnière" (Marcel Proust)


Todo o amor é precário, mas os habitantes de Sodoma parecem conhecer uma espécie ainda mais efémera, e não podem esquecê-lo nas soluções de continuidade que a sociedade favorece.

Janus, o deus bifronte, o deus das portas, das entradas e saídas, representa bem o trânsito dos amantes.

Proust põe todo o romance entre parêntesis quando confessa que não pode dizer de que modo a companhia de Albertine podia ser penosa. Não me lembro que se explique mais à frente, pelo que talvez ele estivesse à sua maneira a mostrar-se piedoso perante a memória de alguém que muita amara, mas que já não pertencia ao mundo dos vivos.

Conhecemos todos a neurose de só se querer o que se não tem. Albertine é "presa por ter cão e presa por não o ter". E a referência que o narrador faz à loucura do outro, comparando-a à sua necessidade de mentir podia-se aplicar com mais propriedade ao ciúme despertado por esse sentimento que, segundo Deleuze, é "uma discussão sobre provas, um juízo de inocência proferido sobre um ser que no entanto se sabe ser culpado."

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