terça-feira, 9 de novembro de 2010

O PRIAPISMO POLÍTICO

Pompeia (http://www.theintellectualdevotional.com)


"Ou ainda, as pessoas vingam-se do imperador troçando dele, o quer que tenha dito acima (sobre a ausência de expressão política), há de facto um graffito político e anti-neroniano em Pompeia, mas é um graffito obsceno. Porque, primo, é normal que uma oposição impotente tome certa forma, secundo, a oposição política dificilmente podia argumentar, criticar uma política que servia mal o povo, uma vez que se esperava dos governantes que governassem, não para servir o povo, mas porque tinham pessoalmente o direito de governar; é por isso que a polémica política teve sempre em Roma o carácter de invectivas mais ou menos ignóbeis e sem relação com a realidade.”

Le pain et le cirque” (Paul Veyne)


Apesar de  “ter o direito” de governar sem atender à opinião da plebe, opinião que seria vista não só como impertinente, mas como totalmente falha de competência, para César não havia melhor sinal de sucesso político e de boa governação do que ser amado por essa mesma plebe. O mecenato dos imperadores (que saía da sua fortuna pessoal, durante a República e nos primeiros tempos do império) tinha mais essa ambição do que servir de “válvula de segurança” ao regime.

A plebe era constituída por homens livres (os escravos, como se sabe, eram considerados como bem materiais, e mais duma epígrafe  funerária releva o facto do defunto ter devolvido o escravo fugitivo ao seu “legítimo proprietário”), mas não havia o que hoje chamamos de opinião pública. A política sendo o exclusivo duma casta, devia parecer-se muito com os caprichos da natureza que só revoltava os insensatos. A estes, por não terem ideia nenhuma que se pudesse chamar eficaz, restava-lhes a blasfémia latrinária. Opor à impotência cívica as fantasias de Príapo.

Um outro tipo de impotência é a que levantam  sistemas complexos como o mercado ou a geo-estratégia. Só na medida em que ainda temos ilusões é que escapamos ao protesto “obsceno”. Mas a abstenção e o desinteresse ressuscitam as condições do império. “Sociologicamente, a ausência de opiniões arrasta consigo a soberania por direito subjectivo, o qual acarreta ideologicamente o evergetismo do soberano.” (ibidem)


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