Etty Hillesum (1914/1943) |
“É neste ponto preciso que se introduz o vago
e a generalização. Eu julgo provavelmente abaixo da minha dignidade intelectual
falar do meu ventre (apelação grosseira e crua, é verdade, para uma parte do
corpo tão importante). Se eu quisesse dizer alguma coisa sobre os meus humores
de ontem à noite, deveria fazer notar
antes de tudo com toda a franqueza: era a véspera do meu período, e nesses dias
eu só sou meio-responsável. (…) tudo em mim está em revolução e em movimento.
Impaciência, dispersão, intrepidez por vezes, são as marcas deste fenómeno
feminino que se repete em mim, infelizmente, todas as três semanas.”
“Journal 1941/1943” (Etty
Hillesum)
Ao ler estas
linhas do diário de uma das mulheres mais generosas que conheço, choca-me
aquele infelizmente. Porque todas as
nossas necessidades naturais poderiam cair sob o mesmo juízo e ser
vistas como uma maldição.
A referência à
responsabilidade ajuda-nos , porém, a compreender o seu espírito. O sentimento
de Etty é o de alguém que quer estar sempre “com as luzes acesas”, para
aprender e estar disponível para o seu semelhante. É verdade que quando
dormimos não somos responsáveis, mas também não agimos (mesmo os “actos” dos sonâmbulos
não são imputáveis).
Etty
acrescenta a essa extra-territorialidade do humano, embora só em parte, um
fenómeno especificamente feminino.
A liberdade
que tanto prezamos ocupa, de facto, toda a cena. Mas basta um olhar atrás da
cortina para nos apercebermos da estranha maquinaria de que ela depende.
1 comentários:
O "infelizmente" será a pensar na cascata de sentimentos e emoções que nos inunda com uma periodicidade regular; não tanto a "necessidade" biológica que está subjacente a essa torrente e que, naturalmente, é uma dádiva.
Maria Helena
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