“Num
reino do Antigo Regime, um pobre não tem dignidade cívica; se a razão de Estado
o exige e se a autoridade do rei ou o estado das técnicas o permitem, não se
hesitará em forçá-lo a trabalhar, a moral reinante permitindo considerar que,
ao arrancar o pobre à preguiça, se está a fazer com que se esforce pela sua
salvação; mais tarde uma moral do trabalho já não dirá que a obrigação que se
comete aos pobres de trabalhar é um dever, mas antes que a necessidade em que
toda a gente se encontra de trabalhar é uma dignidade.”
“Le pain et le
cirque” (Paul Veyne)
A moral cristã, “retomando a moral popular, contra a moral cívica
e oligárquica, fará trabalhar a pobre gente servindo-se da sua própria
linguagem.” (ibidem)
A dignidade do
trabalho era desconhecida no paganismo, quando muito aconselhavam-se os
patrícios a ter uma actividade qualquer, para não “amolecerem”.
A origem da palavra
trabalho, tripalium,
um instrumento de tortura (embora também tinha sido uma ferramenta agrícola),
evoca até um certo dolorismo de natureza religiosa. Com estes antecedentes, a
tese de Max Weber que relaciona o período de acumulação primitiva do capital com
o protestantismo parece fazer todo o sentido. Não se pode dizer, contudo, se esta
moral está na origem do desenvolvimento do capitalismo ou se é a consequência
dele…
O certo é que a ideia
da dignidade do trabalho se encontra fortemente posta em causa num tempo, como
o nosso, em que grassa o desemprego de longa duração ou sem qualquer esperança,
e em que existe toda uma cultura justificando a acédia, essa preguiça condenada
por S. Tomás e Dante, tão necessária ao espírito do consumismo.
Por outro lado, já
não se faz sentir a influência da religião nesse debate a favor da dignidade do
trabalho.
Não tem qualquer sentido
hoje dizer-se que a necessidade de trabalhar nos dignifica a todos, porque isso
reduziria à indignidade uma multidão, onde os que a merecem se misturam com a
maioria que não a merece.
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