quarta-feira, 3 de novembro de 2010

O ESPÍRITO DAS SELECÇÕES




“Não há chave melhor do que o ascenso de ‘The Reader’s Digest’ para a dissolução de formas e para o crescendo das experiências de segunda-mão na América do século vinte. Aquela, a revista mais popular nos Estados Unidos, ofereceu-se não como um ‘original’, mas como um resumo. A sombra vende mais do que a substância. Encurtar e resumir já não é um dispositivo para levar o leitor a um original que lhe dará aquilo que ele quer. O próprio resumo é o que ele quer. A sombra tornou-se a substância.”

“The Image” (Daniel Boorstin)


Tudo se recicla, como se o filão da inventividade se tivesse esgotado. Mas não é o caso. Acontece que a tecnologia e o digital nos permitem reinterpretar os temas do passado segundo uma gama infindável de possibilidades. E é mais fácil variar sobre o que já está feito do que criar alguma coisa de novo.

A música é talvez o exemplo mais flagrante. Já não há canções datadas. Novos timbres, novos ritmos, todos os parâmetros podem ser modificados numa consola para nos dar um novo consumível que pode, por sua vez, vir a ser citado e reciclado.

Quem é que quer ler “O Vermelho e o Negro” se pode ter além das versões cinematográfica e televisiva, o “essencial” da obra em meia dúzia de páginas? O ideal da “Reader’s” é proporcionar a todos a cultura sintética que nos mantenha informados sem perder tempo. O prazer é demasiado importante para ser ocupado com obrigações culturais. É o pensamento do general americano em “Lipstick on your collar”, cujo único motivo para ir ao teatro é o de “chaperonar” a sua sobrinha. Nada mais natural do que a evolução observada por Boorstin da substância para a sua sombra.

A substância precisa cada vez mais de homens de fé, por se ter tornado tão contrária ao espírito do tempo. Enquanto os simulacros e a reciclagem são feitos à medida da nossa superficialidade.

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