domingo, 3 de janeiro de 2010

OS DOIS COPISTAS



Numa tarde de verão, dois homens vindos de direcções opostas (um da Bastilha e outro do Jardim das Plantas) sentaram-se no mesmo banco e, tendo tirado ambos o chapéu por causa do calor, deram-se conta de que tinham tido a mesma ideia de escrever o nome no chapéu (- Mon Dieu, oui! On pourrait prendre le mien à mon bureau!) e logo a seguir, que ambos partilhavam a mesma opinião sobre as mulheres (frívolas, azedas e obstinadas, embora algumas fossem melhores do que os homens, e outras piores do que eles, pelo que o mais avisado era viver sem elas), os operários ou aquilo de que se lembrassem. Uma sintonia tão surpreendente deu lugar, como era natural, a uma longa amizade. Acontece que ambos acreditavam no progresso e na ciência e começaram uma aprendizagem enciclopédica que era alimentada pelo prazer de ambos chegarem às mesmas conclusões.

É claro que estou a falar de "Bouvard et Pécuchet" e que esta história de Flaubert pode ser interpretada como uma parábola sobre certo tipo de estupidez, que passará, aos olhos de alguns, por sabedoria.

O que condena estes dois burgueses a essa estupidez, por muito que se esforcem por absorver a mais actualizada informação das revistas científicas e de se entregarem a estapafúrdias experiências para arrancar da natureza o que julgavam os seus segredos, é justamente os dois homens serem quase uma cópia um do outro. O par flaubertiano é como o microcosmos da opinião geral, beata das suas convicções superficiais e da sua força de maioria.

Para provar a esterilidade duma sociedade como essa que segrega a diferença e o confronto das ideias, Flaubert acaba a sua história com os dois amigos copiando a enciclopédia, tais monges da Idade Média no seu scriptorium.

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