"Assim o desaparecimento inegável da tradição no mundo moderno não implica de maneira nenhuma um esquecimento do passado, porque a tradição e o passado não são a mesma coisa, contrariamente ao que nos quereriam fazer crer aqueles que crêem na tradição dum lado, e aqueles que crêem no progresso do outro – e o facto que os primeiros deplorem esta desaparição, enquanto que os últimos se felicitam com ela, não muda em nada a questão."
"La crise de la culture" (Hannah Arendt)
O passado independente da tradição tem talvez "uma frescura inesperada e diz-nos coisas para que ninguém teve ainda ouvidos.", mas deixou de estar ligado a nós como uma raiz. Tornou-se um depósito ou uma mina de símbolos, com que podemos "fundar" uma pré-história à medida dos nossos interesses.
Quando um autocrata inventa uma genealogia ou apaga das fotografias os seus adversários, por razões de Estado ou para a mitificação da sua figura é assim que se relaciona com o passado.
Este "novo" poder sobre o passado é, de facto, um corte das raízes e significa privarmo-nos da "dimensão da profundidade da existência humana." Coisas impensáveis ainda há um século, como a dominação totalitária ou o emprego da bomba atómica para "salvar vidas" (dos americanos e dos nipónicos se o Japão fosse invadido) só são possíveis sem o fio condutor da tradição e porque nos tornámos "livres" para experimentar tudo.
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