terça-feira, 5 de janeiro de 2010

ORTODOXIA


The House of Commons


"Mas era visível que nela a necessidade de conservar a amizade deles era cada vez mais dominada pela de que essa amizade não fosse nunca prejudicada por aquela que eles poderiam ter uns pelos outros. A homossexualidade só lhe desagradava na medida em que tocava na ortodoxia. Mas, como a Igreja, ela preferia todos os sacrifícios a uma concessão sobre a ortodoxia."

"La Prisonnière" (Marcel Proust)


O poder "sacerdotal" de Mme Verdurin sobre os seus fiéis das quartas-feiras não podia ser pessoal na forma. Ali, prestava-se o culto a uma certa ideia da inteligência e da sensibilidade artística contra o mundo dos "maçadores" (ennuyeux), isto é, dos outros snobes que fechavam os seus salões a gente como os Verdurin.

Ao nível desta pequena sociedade funcionava o mesmo jogo de demarcação que se verifica entre os partidos políticos. Mas a ortodoxia pode mudar em termos absolutos. O caso Dreyfus ou a wagnermania podem ser objecto duma nova distribuição das adesões e dos anátemas. Quanto ao parlamento, sobretudo naqueles em forma de hemiciclo (Churchill preferia as bancadas dum lado e do outro, como na House of Commons, por ser um passo mais grave e conspícuo atravessar a sala), toda a contradição e toda a mudança é permitida desde que corresponda a um arrastamento do espectro partidário, mantendo-se, nominalmente, as distâncias.

É em termos relativos que não se pode "tocar na ortodoxia".

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