Kant and Friends at Table, Painting by Emil Doerstling
"Porque desde que reflictamos sobre um acto que foi empreendido na convicção de que somos um agente livre, o mesmo parece cair sob o domínio de duas espécies de causalidades, de um lado a causalidade da motivação interna, e do outro do princípio causal que rege o mundo exterior."
"La crise de la culture" (Hannah Arendt)
Arendt diz que a solução de Kant, "opondo o imperativo da vontade à compreensão da razão", "faz pouco para eliminar a dificuldade maior, a mais perigosa, a saber que o próprio pensamento, tanto sob a sua forma teórica como pré-teórica, faz desaparecer a liberdade – sem contar com o facto que deveria parecer estranho de a faculdade da vontade cuja actividade essencial consiste em comandar seja o refúgio da liberdade."
A coerência do pensamento consigo próprio não deveria ser considerada contrária à liberdade. Hannah Arendt não está a pensar em pulsões ou ditames do inconsciente ao falar em motivação interna, e é certo que tudo deveria ser explicado, em última análise, pelo estado do universo, mesmo o acto aparentemente mais criativo.
A liberdade como contrário da necessidade é um absurdo da dialéctica, não tem qualquer aplicação na moral ou na política. Num mundo em que tanto a natureza quanto a moral se regem por leis, não há lugar para esse tipo de liberdade que, na realidade, seria uma escravidão sem futuro, ao ferir-se constantemente contra os "ângulos" do mundo. Mesmo o "savoir-vivre" de Epicteto que nos reserva uma pequena parcela do mundo para dispormos segundo o nosso prazer cai, bem entendido, sob a alçada de algumas regras que mantêm o perigo à distância.
Kant, ao eleger a vontade moral como essência da liberdade, reconheceu a impossibilidade de compreendermos o real contexto dos nossos pensamentos e actos, apostando na concordância universal dos espíritos como sendo próxima da necessidade que tudo rege.
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