"Deficiente ou 'de outro modo dotado' tornou-se o requerido eufemismo para palavras outrora familiares – cego, surdo, mudo – e o completamente tabu 'aleijado'. O claramente descritivo 'homossexual' foi expulso pelo 'gay' (usado com este sentido pela primeira vez por volta de 1935), que agora perdeu a sua maravilhosa acepção poética, apoiado pelo recentemente cunhado e polémico 'homófobo'. Nos Estados Unidos já não temos 'idosos' ou 'de idade avançada', mas apenas cidadãos seniores. Poderá surpreender alguns amigos no estrangeiro saber que, nos Estados Unidos, já não temos cidadãos 'ignorantes', mas apenas 'culturalmente desmunidos' ou 'menos favorecidos'. Nem há mais pobres, mas apenas 'sem abrigo'."
"Cleopatra's nose" (Daniel Boorstin)
Boorstin ainda não emprega a expressão "politicamente correcto" que hoje define esta mentalidade.
Podemos perguntar-nos se ela é o resultado natural do aprofundamento democrático e do respeito pela diferença e pelas minorias, ou se é um desvirtuamento da capacidade de lidar com a realidade atribuível à idiossincrasia americana.
Na verdade, estamos, pelo menos desde Platão, familiarizados com um dos vícios mais impenitentes da democracia e que nenhuma experiência, até agora vivida, logrou evitar: a demagogia. Para agradar ao "Grande Animal" de que fala o filósofo, os políticos não costumam usar de subtileza, nem pôr a verdade à frente dos resultados esperados. Como dizia um político na última campanha eleitoral, falar verdade não chega, são precisos os votos (revelando-se a demagogia aqui na pretensão de falar verdade).
Quanto ao politicamente correcto, não se pode ignorar a omnipresente cultura do apoliticismo na sociedade americana.
É o desprestígio das ideias e o anti-intelectualismo que alimentam este espírito de tolerância beata que, de facto, não respeita as verdadeiras diferenças e apenas foge à realidade.
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