sábado, 26 de setembro de 2009

O INCONVENIENTE DA ESCRITA



"É que a escrita, Fedro, tem um grave inconveniente, tal como a pintura. Os produtos da pintura é como se estivessem vivos; mas põe-lhes uma questão, eles guardam gravemente o silêncio. É o mesmo para os discursos escritos. (…) Se ele (o discurso) se vê desprezado ou injustamente injuriado, tem sempre necessidade do socorro do seu pai; porque não é capaz de repelir um ataque nem de se defender a si mesmo."

"Phèdre" (Platão)


Para Sócrates, no diálogo em questão, o discurso escrito não é mais do que uma marca para lembrar aquele que já as conhece as coisas tratadas no livro. Já não seria assim se o discurso fosse escrito "com a ciência na alma", discurso que é capaz de se defender a si próprio, que sabe falar e calar-se segundo as pessoas." Isto é, só se o escrito fosse a "imagem" dessa ciência poderia escapar àquele grave inconveniente.

A verdade seria, assim, tão evidente que dispensaria o autor, autor que, propriamente, não existe. A ideia está já naquele que a reconhece no discurso escrito.

Fora desta "ciência", o livro é como que órfão desde que o autor não esteja ali para lembrar o que queria dizer, que seria qualquer coisa de "pessoal" e, por isso, não muito importante. A escrita torna-se texto (prazer do texto, diria Barthes), livre para qualquer interpretação e para qualquer uso.

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