segunda-feira, 14 de setembro de 2009

O RISO DE RABELAIS


François Rabelais (1483/1553)


"Elle en mourut, la noble Badebec,

Du mal d'enfant, que tant me sembloit nice;

Car elle avait visage de rebec,

Corps d'Espagnole, et ventre de Souyce.

Priez à Dieu qu'à elle soit propice,

Luy perdonnant, s'en riens oultrepassa.

Cy gist son corps, lequel vesquit sans vice,

Et mourut l'an et jour que trespassa."


(Epitáfio escrito por Gargântua para o túmulo de sua mulher, Badebec, segundo Rabelais)


Badebec, para além de ter morrido no ano e no dia em que se finou, de ter cara de rabeca, de ser magra como uma espanhola e de ter o ventre gordo duma suíça, tinha uma capacidade vulvária que o epitafista media em sesteiros (correspondente a 3 ou 4 alqueires – mas o sétier de Paris chegava aos 152 litros).

O gigantismo em Rabelais é uma máquina de comicidade, num tempo em que os gigantes abundavam ainda na literatura (como em Ariosto) e não tinham sido averbados definitivamente à loucura de um Dom Quixote. Os gigantes não eram mais espantosos, de facto, do que os mil anos de Matusalém e a longevidade dos patriarcas bíblicos.

Antes do Renascimento e o Humanismo se imporem, era preciso a terraplanagem da hipocrisia religiosa por um riso homérico como este. Por outro lado, não se compreenderia a liberdade deste ataque contra os "sorbonnagres", sem um clima de extraordinária tolerância (falsa tolerância, se pensarmos que estamos a menos de cinquenta anos do massacre de La Saint-Barthélémy).

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