"Nas sociedades mais crispadas, uma tradição viva apoia-se nas anedotas com alvos relativamente precisos (os loucos, o sexo, o poder, certos grupos étnicos): hoje o humor tende a desligar-se destes moldes demasiado rígidos e sólidos em benefício de uma boa disposição sem ossatura, sem cabeça de turco, e de um gracejar vazio que se alimenta de si próprio."
"A Era do Vazio" (Gilles Lipovetsy)
Fim do "esprit" à francesa e triunfo do humor à Monty Python. Não reflecte esta situação o "imperialismo" do anglo-americano básico?
Entre nós, resquícios de "crispação" ainda subsistem (anedotas sobre o sexo e os alentejanos).
Além disso, o trocadilho está, como sempre esteve, em alta. É raro que apele à cumplicidade elitista e normalmente esgota-se numa saborosa destruição do sentido da linguagem corrente.
Nada de crítica pessoal ou social. O trocadilho é um exercício relaxado e convivial.
E o humor é cada vez mais importante numa cultura sem hierarquias rígidas, onde tudo se pode converter no seu contrário.
O conselho de que não nos devemos levar a sério estende-se a toda a sociedade, e isso facilita os movimentos do capital simbólico. "Os valores superiores tornam-se paródicos". A política torna-se irremediavelmente ridícula pelo gesticular permanente. As imagens, repetindo-se, perdem o som.
Porreiro, na nossa língua, define bem o espírito da coisa. É o cool de Lipovetsky.
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