quarta-feira, 2 de abril de 2008

A GAZELA IMPENSÁVEL


Públio Virgílio Marão (70/19AC)


"Uma vez, tentei fazer-lhe compreender que era preciso distinguir entre o pânico e a fuga de massa, que o pânico implicava com efeito a desagregação da massa, mas que existiam também, como se podia verificar, por exemplo, observando rebanhos de animais, massas em fuga que, longe de se deslocarem, permaneciam unidas e encontravam nisso um reforço do seu sentimento de massa. "Como é que sabe isso? disse ele então. "Você já foi uma gazela num rebanho em fuga?"


"Histoire d'une vie" (Elias Canetti)


Canetti nunca conseguiu convencer Hermann Broch sobre este ponto. Ele podia meter-se na pele dum poeta latino que foi morrer a Brindisi, há mais de dois mil anos, mas recusava a possibilidade duma psicologia da massa.

Com boas razões, porque um homem na massa não tem psicologia. A sua é aspirada por um outro ser cuja natureza se aproxima muito da mecânica.

Depois há esse outro paralelo, igualmente arrojado, com o mundo animal. O primeiro a usar essa metáfora foi Platão, com o seu Grande Animal. Mas a massa nada tem a ver com essa figura.

O povo platónico é mais ventre do que coração ou cabeça, mas nunca deixa de ser político.

A experiência "traumatizante" que levou Canetti a escrever "Masse et Puissance" é, evidentemente, de outra ordem.

E percebe-se como faz falta uma teoria que explique como em certas circunstâncias os homens podem comportar-se independentemente quer da razão e dos sentimentos, quer dos instintos.

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