quinta-feira, 3 de novembro de 2005

O SACO DO DINHEIRO


A Accademia (Veneza)

Depois de rever S. Marcos (os venezianos já se preparam para as inundações, com uns passadiços amontoados à beira dos palácios), S. Moisè e S. Maria del Giglio, atravessei a ponte Dell 'Accademia e entrei na mais famosa galeria veneziana.

Isto é a felicidade da figura humana, com um desenho que seguia ainda a natureza e uma exuberância de cores que a transfigurava. O azul de Bellini responde ao amarelo de Tiepolo como uma poética a outra.

Um quadro de Tintoretto (a Madona, S. Marcos, S. Teodoro e S. Sebastião, com três camerlengos e três secretários) prende-me a atenção pelos problemas de espaço que coloca: um terço é ocupado pelos ícones religiosos e os dois restantes pelos doadores, tesoureiros da república, com os secretários atrás, carregando um deles o saco do dinheiro.

Os santos não parecem ter qualquer relação com a cena. Estão paralisados no seu simbolismo e só a virgem simula mostrar o menino. S. Sebastião contorce-se com as suas setas, num delírio masoquista, alheio a qualquer homenagem. Estão amontoados como numa água-furtada e servem apenas de cobertura à vaidade oficial.

O "vil metal" dobra o joelho e aparece a um canto, mas é ele o homenageado.

O saco dos "trinta dinheiros", na mão de Judas, costuma aparecer em cima da mesa. Aqui cresceu de tamanho e mudou de lugar, mas não de vocação.

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