sábado, 2 de fevereiro de 2008

ESCRITA ANORAK



Por que tem tanta aceitação a marca de publicidade na roupa dos jovens?

Ocorre-me este pensamento ao ver uns passos adiante um anoraque negro com um logótipo conhecido a meio das costas. Isso comunica ao dorso anónimo a solicitude dum cartaz comercial. Não é a razão que se convence na publicidade. Ela diverte, lisonjeia, protege. O nome do objecto associa-se a esta infância convocada pela instituição envolvente. O cidadão chucha cada spot da TV e repete a palavra nova com os amigos, porque a apropriação da linguagem é um prazer propriamente infantil.

De qualquer modo, se o orçamento da publicidade é uma parte cada vez maior das despesas, isso não pode explicar-se pela responsabilidade política dos homens de negócios. Não é o Estado que assume essa função maternal, se bem que tenha o máximo interesse nisso. A sociedade de consumo é uma sociedade de consenso entre pai e mãe. Ele é a lei e a polícia, responsável pela ordem no supermercado. No final, o investimento publicitário tem de significar lucro e acréscimo de vendas ou defesa da quota de mercado. É isso que é difícil de perceber. Os comerciantes podem financiar a festa da cidade sem que o nome de cada contribuinte seja especialmente designado. A atmosfera das ruas e a iluminação já dispõem favoravelmente o pedestre a tornar-se consumidor. A montra sedutora despe-se à sua frente e o gesto original de agarrar só custa dinheiro. Mas as outras formas de publicidade têm vantagens menos evidentes. É a concorrência que obriga a investir aí e a dimensão do mercado. Um produto anunciado na televisão não quer dizer que crie a necessidade, mas é certo que sobre todos os outros tem a vantagem de existir primeiro na memória e de inspirar confiança, graças à solicitude publicitária. O simples nome apregoado aos quatro ventos faz escolha. Mas o cartaz e o spot criam um clima que desarma o senso crítico e faz do acto da compra um prazer sem culpa.

O vestuário de alguma juventude é agressivo pela cor e pela forma. A própria matéria sugere a força selvagem. Mas estas letras amarelas sossegam. A brutalidade torna-se vontade de dar prazer. O corpo existe detrás da marca de automóveis como um erotismo desviado. E é preciso ver que o sistema não obedece à lógica, mas ao rendimento simbólico. Porque a criança de há pouco quer ocupar o lugar dos pais e infantilizar por sua vez.

Mas há outra contradição no uso da marca: parece que o jovem renuncia à personalidade e aceita entrar no círculo das mercadorias. Oferece-se como um objecto, porém, é para retirar daí um excedente de força e de iniciativa. O seu anonimato permite-lhe fazer significar a pessoa nos menores gestos. É uma submissão voluntária à ordem dos signos comerciais, e o resultado é obter de quem olha um investimento na sua liberdade. Porque o espírito rejeita o disfarce juvenil, e é isso que o jovem quer.

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