terça-feira, 7 de agosto de 2007

A AVENTURA


"A Aventura" (1960-Michelangelo Antonioni)

Anna desaparece numa das ilhas Líparas, depois dum grande desassossego que a levou a inventar o ataque de um peixe-cão e a discutir com Sandro (Gabriele Ferzetti), o namorado. Este, acompanhado dos amigos do iate e de Cláudia (Monica Vitti) procuram-na por toda a Lisca Bianca.

Na segunda parte, Cláudia e Sandro fazem uma viagem de amor pela Sicília, sob o pretexto de tentarem encontrar Anna. Em Taormina, Sandro é apanhado com uma prostituta e o filme termina em plena derrota moral, sem ilusões.

Hoje, quase poderíamos continuar a considerar revolucionária esta estética. Porque o cinema, dominado por Hollywood e a produção do outro lado do Atlântico, evoluiu numa direcção oposta, de montagem rápida, efeitos técnicos e emoções fáceis.

Mas, entretanto, passaram-se 40 anos. Este cinema, que se abre para o tempo real e que corresponde a um olhar novo sobre nós próprios, pode ser hoje melhor compreendido, com a percepção que ele próprio ajudou a modificar.

É de crer que assistamos a uma revalorização, para além da suscitada pela efeméride da morte de Antonioni (e de Bergman), só por efeito do mercado cultural.

Muito se falou, na altura, no tema da incomunicabilidade, neste autor. Estamos hoje em melhores condições para julgar o sentido dessa palavra.

As cenas da ilha são de uma beleza estonteante (magnífico preto e branco de Aldo Scavarda), menos pela paisagem física, do que por ser tão claramente um espaço em que as personagens são captadas num flagrante de vazio e inutilidade.

Anna é uma mulher complicada, mesmo neurótica, enquanto que Cláudia parece ter tudo para "comunicar" e ser feliz. O que falha neste romance (mais do que o efeito do sentimento de culpa, por terem esquecido e tão facilmente traído a "morta") é a própria inconsistência de Sandro ( a cena com o estudante de arquitectura, em Noto, é esclarecedora). De resto, é talvez ele que fornece a chave para o título do filme, quando sugere, meio por brincadeira, que aquele amor podia ser visto como uma aventura.

A lucidez e o pessimismo são o que melhor define esta psicologia do fracasso humano, que outros tentaram exprimir (como Huston, no "Tesouro da Sierra Madre"), sem conseguir envolver-nos desta maneira.

Tudo está em transcender o espectáculo, pela forma depurada e sem concessões. Num filme quase sem música, a flauta que se ouve na sequência da ilha, em que os dedos de Sandro roçam os de Cláudia, tem o mistério e o terror de uma serpente entre as ervas.

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