terça-feira, 29 de agosto de 2017

A AMIZADE SEGUNDO MARCEL


Jacob Burckhardt (1818/1897)


"Eu disse (...) o que penso da amizade: a saber que ela é tão pouca coisa que tenho dificuldade em compreender que homens de algum génio, e por exemplo um Nietzsche, tenham tido a ingenuidade de lhe atribuir um certo valor intelectual e em consequência recusar-se a amizades a que não estivesse ligada a estima intelectual."

"Le côté de Guermantes" (Marcel Proust)

Proust admira-se que um homem como Nietzsche tenha deixado o seu trabalho "para ir ver um amigo (Jacob Burckhardt) e chorar com ele, tendo tido conhecimento da falsa notícia do incêndio do Louvre." e compara esse "apoio exterior", essa "hospitalização" numa individualidade estranha à embriaguez.

É surpreendente o pouco caso que faz dos sentimentos, nesta opinião, alguém de uma sensibilidade quase mórbida e de uma dependência dos afectos tão irresistível. Mas, a certa altura, a sua vida tornou-se o casulo exclusivo da grande obra. Compreende-se, a essa luz, que o valor intelectual de uma amizade só podia concorrer como o trabalho da escrita, sem nunca atingir mais do que a superficialidade.

A ideia é, assim, perfeitamente consequente com as necessidades do criador, embora não deixe de ser perturbadora a indiferença, senão a ingratidão, com que o narrador corresponde aos testemunhos de amizade. Há, talvez, que imaginar aqui uma contaminação retrospectiva dessa indiferença.

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