sábado, 29 de setembro de 2007

UM BURGUÊS REALMENTE PEQUENO



"Un borguese piccolo, piccolo"
(1977-Mário Monicelli)


O pequeno-burguês, apesar da sua aparência pacífica, mata. Não se deixem enganar por este funcionário público à beira da reforma, cujo único pensamento é obter um posto de guarda-livros no ministério para o filho. Que não fará ele, desde o beija-mão aos chefes à iniciação maçónica, para conseguir as provas do concurso?

É um pai extremoso que se revê com orgulho no jovem sem qualidades. Mas estamos em Itália. Todos os projectos vão ruir em segundos. Apanhados no meio do fogo cruzado entre a polícia e os assaltantes dum banco, uma bala vem atingir mortalmente o filho. A mulher que recebe a notícia pela televisão fica paralítica. É então que se vai revelar a verdadeira natureza deste homem igual a tantos outros. Os males do país vêm de haver liberdade a mais. Que importa prender o assassino para o soltar pouco tempo depois sob fiança?

O pequeno-burguês que fez a pulso a sua carreira no ministério decide fazer justiça por suas mãos. E é ver o ódio com que abate a golpes de macaco o jovem que julga ser o assassino. Enterrada a mulher, este reformado aborrece-se, incapaz de gozar o sol e o espectáculo das crianças no jardim. Mas eis que um latagão mal-encarado o insulta na rua, e de novo o vemos no cauteloso Fiat seguir o homem, com o mesmo ódio no olhar. Retrato injusto? Sem dúvida, como toda a entomologia a propósito do ser humano.

Monicelli levou-nos a um mundo caricatural de burocratas que eventualmente frequentam a Loja para agradar ao chefe. Quis fazer-nos rir com estas personagens traçadas a grosso, e Alberto Sordi foi o grande cómico de sempre. Pode troçar-se do doutor das Finanças que enche a secretária de caspa, admite-se que a Maçonaria seja tratada como um número de palhaços, tudo nesse tom se pode sustentar, embora seja o mais fácil. O erro de Monicelli é o estilo. A história é plausível, mesmo se o instinto de vingança não pode pretender à sociologia. Nem a pequenez redundante deste pequeno-burguês justifica a mesquinha visão do seu autor. É um filme que quer cobrar o riso com a demagogia.

O quotidiano é visitado com a elegância e o humor do melhor cinema italiano. Mas quanto mais eficiente, mais falso é este melodrama que derrapa em filme negro. Porque se escolheu um protótipo, não se pode evitar o simbolismo nem a teoria social. Não se trata de contar um caso, mas o nosso caso. E nessa altura a Monicelli faltou o ar. De resto, o familiar é o que é menos conhecido, não é verdade? E há nesta teoria do pequeno-burguês um relento opressivo de velharia.

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