"A Lei do Desejo" (1997-Pedro Almodóvar)
Alguns anos passados, os filmes de Almodóvar parecem ter perdido a sua irritante feição provocatória.
Aquele mundo sem mulheres (tirando as mães, sempre possessivas) de "A Lei do Desejo" é o filão do cineasta, mundo tão codificado como um filme de vampiros ou um filme de guerra. Cinema só.
E não se pode dizer que se aqueles amantes fossem heterossexuais teríamos um cinema igual a qualquer outro, incaracterístico. Esta "escrita" é pessoal e o amor entre homens dá-lhe o suplemento trágico que o faz respirar.
Revendo este filme de 1997, encontramos o trio clássico sujeito à pura fatalidade, graças a uma espécie de curto-circuito do desejo.
A partir do momento em que a carta que Pablo escreve a si próprio, mas assinada e endereçada por Juan, é lida por António, este enamora-se do objecto do "discurso amoroso", do fantasmático desejo de Pablo.
Quando essa paixão resulta no crime (que um plano longínquo da falésia com as silhuetas de António e Juan anuncia) e no suicídio de António, no apartamento cercado pela polícia, vemos Pablo atirar pela janela a arma do crime: "a máquina de escrever" em que tinha formulado a lei da tragédia.
Pensa-se em Roxanne e em Cyrano que também escrevia pelo rival, mas morrendo este, jovem e belo, foi como se o segredo tivesse sido selado para sempre pelo duplo fantasma da escrita e da morte.
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