sábado, 8 de setembro de 2007

COMO A CORRENTE





Não se podia contar uma vida com maior simplicidade.

Em "Aparajito" (1956-Satyajit Ray), Apu é uma criança como as outras, que corre com as da sua idade e conhece o segredo dos macacos que invadiram o templo.

Mas cedo é confrontado com a morte do pai. Este ganhava a vida como sacerdote nas escadas de Benares (vemos as moedas dos pobres caírem, uma a uma, arrancadas à necessidade). O trago que bebeu do Ganges, que o filho lhe foi buscar de madrugada foi o seu viático.

Satyajit tem o génio das transições. A lanterna que serve ao pequeno Apu para estudar à noite é o ponto de passagem para a adolescência e para uma nova vida em Calcutá, trabalhando para pagar os estudos. Mas as dificuldades são muitas. Cansado da vigília na tipografia, adormece na aula em que o professor fala da sinédoque, e a mãe importuna-o, de longe, com as saudades. Nem tem temp0 de a compensar, porque morre antes dele chegar.

Apu recusa a proposta do avô de continuar na aldeia a profissão do pai.

- E os ritos pela tua mãe?
- Faço-os em Calcutá.

E sem um abraço, nem um olhar, lá corre ele com a sua trouxa para apanhar o comboio.

A morte e a doença ocupam grande parte da história. O resto é o fogo onde se preparam as refeições e se ferve o chá, as correrias da criança e a ambição do estudante. Tudo passa como a corrente do rio sagrado.

- Os pais não podem durar sempre! consola-o o avô. Mas a sua silhueta magra já vai a caminho da grande cidade.

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