sexta-feira, 3 de março de 2006

ATRAVESSAR O POSTAL



Que procura a fotografia do bilhete postal? Anular a objectividade do espaço, a significância.

A experiência pessoal não interessa ao turista. Ele quer coleccionar vistas o menos ambíguas possível. Desde que o postal seja perfeitamente identificável, o aditivo do belo pode ser um álibi. E uma fonte inesgotável de variações e de paisagens sobre o mesmo tema é o sol. Pode dizer-se que o espectáculo do céu alterado pelo nascimento ou o pôr da nossa estrela é só por si o fenómeno central da estética do postal ilustrado.


A montanha, o lago, a floresta, a planície são figuras declinadas pela luz do sol ou da lua. Mas tendo perdido o caminho da imaginação, devido à lei do hábito e da repetição, a paisagem do calendário é um puro conceito. A reprodutibilidade do belo tem como efeito transformar o acto criador numa técnica que não exprime coisa nenhuma. Não é possível contrariar a perda de sentido da obra de arte senão pela transformação do sujeito que a contempla. Enquanto que mil giocondas são uma formidável energia desestruturante.

A fuga à repetição e ao uniforme levam-nos ao consumo desenfreado de imagens. Essa velocidade acaba por ser a tara fundamental do nosso espírito que assim se condena à superfície das coisas.

É preciso atravessar a paisagem para sair do postal e do quadro revisto.

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