quarta-feira, 8 de junho de 2016

OS PERIGOS DA CONVERSÃO


"A conversão de S.Paulo" de Luca Giordano

"(...) Não. Nunca o fiz (a cena de sexo) por uma questão de educação. As pessoas são educadas no estilo vitoriano e não começam a transgredir, porque é muito perigoso. Não tem nada a ver com o bem ou o mal, é perigoso, é uma traição à linha da educação, que pode dar péssimos resultados, desajustes, doenças. Pode-se ficar com um eczema terrível. Devemos ter fidelidade à linha da educação porque toda a conversão é perigosa. Justamente, o que está a acontecer nos países de Leste é perigoso, porque é uma conversão."
(Agustina Bessa-Luís em entrevista ao Expresso, 1/12/1989)

A última 'conversão' talvez tenha sido a do partido Baath, partido do poder, no Iraque de Saddam Hussein, ao niilismo de 'fachada religiosa' do Daesh.

Nada a ver com a 'queda do cavalo' de Saulo, na estrada de Damasco, onde não faltou a coreografia nem a terrível questão:'- por que me persegues?'

A conversão do Baath foi tão violenta como é a privação da droga. Essa conversão não se estuda nas madrassas, mas no desespero e nos abismos da sobrevivência.

A 'cena de sexo' que Agustina não introduziu em nenhum dos seus romances, na realidade, faz tanta falta à sua obra como faz na maior parte dos 'clássicos'. Proust que parece obcecado pelo amor e o ciúme precisa tanto dessa 'realidade da vida', como a cúpula de S. Pedro no Vaticano precisa de uma coluna no seu ápex.

Na verdade, mesmo em Henry Miller, cujo estilo me parece um dos mais 'amigáveis' em relação à sexualidade como tema literário ou mero expediente narrativo, nunca é o sexo que 'fala' (e sabemos como ele é peremptório) e que toma conta da cena.

A pergunta supõe que como facto da vida, o sexo é 'incontornável' e nem que seja como personagem clandestina ou conotação mais do que óbvia não pode deixar de estar presente (ou em negação) em qualquer produto do espírito humano. E se a obra fosse uma espécie de mónada do criador poderia concordar. Mas a questão é a que Roland Barthes já formulou na sua teoria do texto. Quem é, em última análise, o autor do texto literário?

Camões, por exemplo, não saberia como ser 'explícito' no sentido moderno. O que ele 'transmite' só pode ser interpretado pela leitura moderna. Por razões óbvias, não se lhe pode pedir que tivesse escrito como se estivesse noutro local e noutro tempo.

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