sábado, 4 de junho de 2016

O POVO E A CANALHA

("Le cri du peuple")

"Apesar das minhas opiniões então perfeitamente e fundamentalmente republicanas, os meus pais tinham-me perfeitamente comunicado os seus gostos aristocráticos e reservados. Este defeito ficou-me sempre e por exemplo impediu-me, não há dez dias, de colher uma boa fortuna. Eu abomino a canalha (para ter qualquer comunicação com ela), ao mesmo tempo que sob o nome de povo desejo apaixonadamente a sua felicidade e que acredito que esta só lhes pode ser conseguida interrogando-o sobre um objecto importante. Quer dizer, chamando-o a nomear os seus deputados."
"Vie de Henry Brulard" (Stendhal)

A ideia de povo surgiu da Revolução Francesa , como outra Minerva em armas da coxa de Júpiter.

Mas Stendhal, cinquenta anos depois, ainda pode, sobre a questão, sentir-se dividido entre a inteligência e o coração. Por idealismo crer na igualdade de todos os homens, mas sentindo, no mesmo movimento, uma poderosa aversão física pela "canalha".

Saúde-se, ao menos a ausência de hipocrisia e meça-se o caminho percorrido até aos dias de hoje! Porque hoje todos são povo e a palavra canalha caiu em desuso e nem os marginais são mimoseados com ela.

Os mais elitistas escondem-se por detrás da cruz, sob a designação de partido popular, por exemplo. E o dinheiro substituiu os antigos privilégios e as formas demasiado directas do desprezo.

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