quinta-feira, 23 de junho de 2016

O MUNDO PODE ESPERAR


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"'A acústica do vazio'. Quando um alfinete cai no soalho de um quarto vazio, o ruído parece desproporcionado, desmesurado: acontece o mesmo quando o vazio reina entre os seres."

"O Homem Sem Qualidades" (Robert Musil)

Na harmonia entre o fero e a bela, Iago faz o vazio. Uma insinuação sua é aquele alfinete. O veneno que destila no caracol do ouvido. Havia o vazio antes, entre o mouro e Desdémona? De que era feita essa harmonia de contrários? De crença numa bela história, num sonho tornado pesadelo.

Uma história, um enredo são feitos de palavras, e é uma palavra que desencadeia a tragédia. No teatro, isso é por de mais visível. O que é dito não tem retorno e faz avançar a acção. Em Homero diz-se: '- que palavras atravessaram a barreira dos teus dentes?' Antes era um estado de coisas, depois das palavras ditas, é outro. De certo modo, o teatro é uma campânula para as palavras sob protecção do mundo.

O mundo é o que falta aos seres em que 'reina o vazio'. Porque o mundo desfaz o destino entretecido nas palavras e em todas as histórias e mitos. Mesmo aqueles que são necessários à nossa 'fraqueza'.

Houve um tempo em que os monges se afastaram do mundo para a ele voltar, depois de iniciados na missão a que tinham votado as suas vidas. Já era o que Platão esperava dos que vissem o Bem com os seus próprios olhos.

A "acústica do vazio", então, facilmente se torna na 'acústica do cheio', e o mundo pode esperar.


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