quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

VERDURAS DA MORAL

 

" O único problema que hoje se coloca, porque da sua solução depende o destino da humanidade, não é um problema de regime político ou económico - democracia ou ditadura, capitalismo ou comunismo - é um problema de civilização [...] Será esta civilização feita para o homem, ou pretende ela fazer o homem para si, à sua imagem e semelhança, usurpando deste modo, graças aos prodigiosos recursos da sua técnica, o próprio poder de Deus? É isto que importa saber [...] Trata-se de saber se a técnica disporá dos corpos e das almas dos homens do futuro, se ela decidirá, por exemplo, não somente da sua vida e da sua morte, mas também das circunstâncias da sua vida, tal como o técnico da criação de coelhos dispõe dos coelhos da sua coelheira."

(Bernanos: Essais et Écrits de Combat;cit. P. Bernard Fixes)

Deve ser uma particularidade moderna pôr-se a questão da civilização que queremos. De facto, até hoje, nenhuma sociedade humana pôde alguma vez decidir a civilização que quer. É mais provável que tenha tomado partido por um regime em vez de outro, que de maneira nenhuma significa 'usurpar o poder de Deus', do que escolhido uma civilização 'feita à sua medida'.

A crítica de Bernanos é, de alguma maneira, o contraponto dos construtores de sistemas e dos 'engenheiros de almas'. Que se possa ter idealizado a sociedade sem classes e o processo histórico que fatalmente conduzirá a ela não é, na verdade um 'parti pris' por uma civilização superior, embora ainda no futuro. De facto, essa ideia pertence ainda à engenharia social. Este poder putativo de criar uma sociedade de raiz, ou sem qualqer espécie de continuidade com o existente é, como diria Alain, uma ideia operária. Compreende-se a máquina, na medida em que se é capaz de a montar e desmontar, logo a nova função 'revolucionária' é apenas uma questão de vontade.

Naqueles tempos, um certo radicalismo parecia pensar que a sociedade tinha sido construída a partir de um desenho (para alguns, de um comité de exploradores), em vez de ter crescido como um organismo vivo.

A metáfora do comité pode-se ainda aplicar ao caso do capitalismo financeiro, mas é óbvio que esse comité não sabe nada da natureza social, nem precisa de saber. Tal como o jogador do casino, a sua eventual competência é apenas estatística ou pavloviana (sabe como fazer salivar as suas vítimas).

 

 

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