domingo, 1 de dezembro de 2013

A HISTÓRIA NO ASCENSOR

 


"Essa mão retirou-se bem depressa; mas Julien pensou que era seu dever conseguir que não se retirasse essa mão quando ele a tocasse. A ideia dum dever a cumprir, e dum ridículo ou melhor dum sentimento de inferioridade a incorrer se isso não fosse alcançado, afastou imediatamente todo o prazer do seu coração."

"Le Rouge et le Noir" (Stendhal)


Julien admira em segredo o herói da campanha de Itália.

Passado o tempo em que qualquer camponês mais corajoso podia sonhar com a glória militar e chegar a general ainda na força da idade, nenhum outro ascensor social se apresentava que não passasse pela hipocrisia e a dissimulação duma falsa piedade. A carreira eclesiástica era o caminho. O bispo de Agde não era quase da sua idade?

Este espírito, tão vivamente retratado por Stendhal, era o da França em 1830 e podemos imaginá-lo como um dos efeitos longínquos da grande revolução.

Porque o que se tornou a experiência do senso comum foi que já não havia destino e que a política abria ao mais humilde uma carreira vertiginosa, conquanto tivesse valor e ambição suficientes. A ideia da Revolução, como negação da necessidade, duzentos anos depois, é forçosamente mais realista, embora alguns ainda aspirem para a sociedade a algo de equivalente ao generalato para o nosso Julien Sorel.

Temos neste romance uma ideia de quanto a política é incompatível com o amor, romântico ou não. Esta ambição submetia, tiranicamente, todos os sentimentos, mesmo os mais naturais.

Por contraste, a moral do enriquecimento e a mediocridade da província, nestas páginas inspiradas, parecem ser a face mais fatigada duma ambição militar que avança a coberto da sotaina.

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