segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

A ARTE DO NOVO

 

"Foi principalmente porque cada dinastia alcançou uma gigantesca concentração de tesouros artísticos que a herança chinesa repetidamente sofreu tais perdas massivas. A queda de praticamente cada uma das dinastias teve como consequência o saque e o incêndio do palácio imperial, e de cada vez, de um só golpe, a nata da produção artística dos séculos precedentes desvanecia-se em fumo. A espantosa dimensão destes desastres recorrentes está documentada em grande detalhe pelos registos históricos."


"The hall of uselessness" (Simon Leys)


A centralização do partido comunista parece, assim, continuar uma tradição ancestral, ligada, é de supor, àquilo a que o marxismo chamava de 'modo de produção asiático'. Resta saber se a introdução 'controlada' do capitalismo não reservará melhor futuro à produção artística dessa grande nação.

Segundo Leys, a memória da arte do passado, mesmo ao nível dos especialistas, não ia além dos cem anos. É como se a Itália só soubesse da Renascença por ouvir dizer, através dos vagos rumores que as gerações, apesar do silenciamento do poder (ou, como agora fez o ditador da Coreia do Norte, da rasura das fotografias oficiais), passam umas às outras.

Numa situação como esta, o melhor da arte do passado nem sequer pelas elites pode ser apreciado. Até agora, a arte do presente, como acontece, de resto, em muitos países ocidentais, chegava ao resto da população sob a forma de subproduto, quando não da pura propaganda e, com a mudança, essa população não perdia nada (porque não se pode perder o que nunca se teve). A maioria camponesa garantia às elites chinesas que a arte nunca seria 'revolucionária'.

A tradicional prudência dos chineses, que também pode ser vista como a passividade dos súbditos, assenta nessa cultura incorporada da esfera doméstica (por oposição à esfera política, como dizia Arendt), na qual, parafraseando Paul Ricoeur, a propósito do mal e do pecado, "a humanidade é tomada enquanto colectivo singular;"

Só podemos imaginar o potencial criativo que é neutralizado por esta tradição milenar. Mas é verdade que não é a criatividade que nos torna mais sábios...


 

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