terça-feira, 24 de dezembro de 2013

O ESPÍRITO DO TEMPO

Chegou até mim um vídeo do chamado "Zeitgeist Movement" que pretende recolocar na ordem do dia a agenda de Marx, mais precisamente, a 11a. das suas 'Teses sobre Feuerbach'. Não se trataria de interpretar o mundo, mas de transformá-lo. Essa agenda apresenta-se reciclada e com alguma argumentação nova. Não se pode, por exemplo, confiar a uma classe em vias de extinção a tarefa revolucionária, e em vez da 'classe operária' o novo agente da História é a Tecnologia, a julgar pelo vídeo que circula na Internet. Ora, esse é um erro familiar ao próprio Marx. Se não interpretarmos, teremos de deixar o nosso destino nas mãos do novo agente revolucionário, a tecnologia, que, não é preciso lembrá-lo, é em parte determinada pelo deus Mercado e pelo que os autores chamam de 'Corporatocracy', o poder das multinacionais. Inclino-me para pensar, todavia, que a principal força da tecnologia é autónoma e anarquizante. A sua função não é tanto a de resolver problemas, como a de criar novos contextos para velhos e novos problemas.

O vídeo dedica uma primeira parte ao Cristianismo e à ideia de que a figura do Cristo é um mito e de que a Bíblia é um plágio de mitos mais antigos. Também aí estamos diante de um dos temas favoritos do marxismo, o da religião como 'ópio do povo'. Não me quero pronunciar sobre as teses de 'Dawkins et al.', mas sempre direi que a questão da historicidade de Jesus é pouco relevante e que os argumentos contra a verdade do Cristianismo, que é descrito como uma fraude, funcionam até 'a contrario', pois se se quer demonstrar que há histórias comuns nas diversas religiões, isso apenas abona o sentido de que ou são todas 'verdadeiras' ou são todas falsas. Diz Paul Ricoeur: "O mito, desmitologizado desta maneira pelo contacto com a história científica e elevado à dignidade de símbolo, é uma dimensão do pensamento moderno." A conclusão é que nem sequer conseguiríamos pensar sem a existência dos mitos e dos símbolos em que eles se transformam...

O tema da segunda parte é o que é considerado um mito moderno: o "11/9". Já conhecia a maior parte das objecções à explicação oficial e não há dúvida que são perturbantes, e mais ainda com a falta de vontade do governo dos USA para um esclarecimento completo. Mas, como entre nós, o 'Caso Camarate', as comissões de inquérito deverão suceder-se, a menos que, contra a ideia feita, a democracia americana se encontre bloqueada, a um ponto que nós nem sonhamos, e que essa democracia seja, de facto, desde há muitos anos, ela própria, um dos maiores mitos modernos.

A parte final é a mais convincente, ao descrever o mecanismo da dívida como o maior gerador do dinheiro em circulação, dinheiro que surge, assim, da atmosfera, ou do antigo éter, para enriquecer uns poucos à custa da humanidade. A economia global parece, na verdade, um império, tão prepotente como o dos Romanos ou o dos czares da Rússia esclavagista, mas por meios menos visíveis, quase subtis, em que a responsabilidade é diluída e quase impossível de chamar a juízo.

Em suma, muito 'pano para mangas', apesar de um certo tom de 'igreja nova' que mistura, na aparência, os temas de forma incongruente. Qual é a verdadeira 'agenda'? A religiosa, ou a anti-capitalista?

 

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