sexta-feira, 26 de outubro de 2007

O TAMBOR


"O Tambor" (1979-Volker Schlondörff)


Os filmes alemães do pós-guerra procuram todos uma explicação para o trauma, como se este povo tivesse de ser um monstro maravilhoso. Assim, a crueldade parece natural. Mas esta vitalidade é infeliz, como a mãe de Óscar no “Tambor”, que morre de devorar toda a espécie de peixe. O seu apetite sexual é vontade de morrer. E tudo se converte em símbolo. É uma geração em busca do pai possível. Mas o que aparece é a irrealidade feminina e a pulsão do suicídio.
A imagem que os alemães dão hoje de si é a da eficácia e da ordem social. Onde se escondeu o bárbaro? Ele nunca foi tão visível como nesta superfície demasiado perfeita para ser real. A ordem é o seu laconismo e a sua austeridade. É preciso imaginar um país vencido e sem direitos, por se ter arrogado todos, para compreender esta penosa marcha do silêncio. A Alemanha é uma nação prisioneira do símbolo. Na admiração pela técnica alemã exprime-se também o horror sagrado.
O que é que nos diz o filme de Schlondorff? Só se salvam os anões. Os que recusaram crescer como Óscar numa casa em que se fazem poucas vergonhas debaixo da mesa. Numa família sem pai, nem mãe. Sem modelos. Apenas a confusão das pernas e do sexo. “Este povo crédulo acreditava no Pai Natal, mas o Pai Natal era o Homem do gás”. As crianças velhas correram atrás desse sonho mortal. Introduza-se um ritmo de valsa na parada militar e o gauleiter fica sozinho à chuva com o braço ridiculamente estendido.
Mas quem sabe julgar a guerra, quando o coro é mais potente e o espectáculo da força nos subjuga? É preciso negar a solidariedade desumana, o que exprime bem a personagem de Óscar, o mesmo que não quis crescer. A História do anão é o circo. Mesmo quando enverga o uniforme nazi, a sua responsabilidade é infantil, e o espectáculo diz que o rei vai nu. Sem pertencer ao mundo das crianças ou ao mundo dos adultos, o pequeno Óscar é juiz da loucura colectiva. O pensamento salva-se ao nível das pernas, e à maneira alemã: como raça.
É a tetralogia da miséria humana. A aurora dos deuses passa por este perpétuo exame anatómico. Porque não é possível condenar a Alemanha do espírito, por muito frouxa que fosse a sua luz em dada altura. É preciso fazer a parte do mal, que é o mesmo que descobrir os demónios em nós mesmos. Na paixão que quer pensar. E essa lição é mais útil do que a do regime e da crise económica. O desumano tem a forma do homem.

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