"Mesmo, reflectindo, se queremos descobrir em que sentido a ingénua representação já não engana o sábio, vemos que é a mesma ideia que faz que o seu cálculo e as suas medidas não o enganem mais; é a ideia de que não há nenhuma ideia suficiente. Aqui, no pensamento em movimento, ou melhor, em acto, aparece a dúvida, que não é de modo nenhum fraqueza, mas força, e antes afirmação redobrada; porque o espírito tem alcance bastante para ultrapassar os seus objectos, quaisquer que eles sejam, e julgá-los. Assim, a dúvida não é essa imaginação flutuante que Spinoza descreve, mas é o mais alto do juízo, pelo qual, poder-se-ia dizer, a certeza se acaba e coroa."
"Souvenirs concernant Jules Lagneau" (Alain)
E mais adiante: "O que é o homem que crê formar uma ideia verdadeira? Não é esse mesmo que se engana? Realmente o erro em toda a matéria é de reflexão, e consiste nisto: que se submete o juízo à ideia."
É por isso que um artista perfeccionista como a Callas, conforme ela disse numa entrevista, quando nos assombra pelo seu desempenho e arranca do público os mais entusiásticos aplausos, mesmo nesse momento de glória se debate com uma dúvida íntima e permanente.
E aquele santo homem cuja bondade decorresse da ideia entronizada no seu espírito sobre o que é o bem, de uma forma automática, como a consequência de uma premissa, teria, de facto, abdicado de julgar a realidade, o único e irrepetível de cada caso. Porque é a dúvida, seguida pelo risco de uma decisão, que o poderá manter na verdade.
Se alguém como Madre Teresa de Calcutá é suficientemente forte para confessar que a sua religião nunca foi uma questão de lógica, mas de fé vivida e de dúvida assediante, com isso põe talvez em causa um mito, mas contribui para a liberdade e o esclarecimento dos espíritos.
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