sexta-feira, 12 de maio de 2006

A GAIVOTA



"Trigorin - Se tu quisesses podias ser extraordinária. Ah, o amor de uma rapariga assim, tão encantadora, poética, e que me transporta para o reino dos sonhos - só um amor como este, e mais nenhum, pode trazer a alegria na terra! Eu nunca tinha experimentado este amor...

Quando era novo, não tive tempo para ele. Andava a bater à porta de editoras, num frenesi, para poder viver... E agora esse amor veio, veio finalmente, e arrasta-me para ela...

Para que serve tentar fugir-lhe?

Arkadina - (Furiosa) Perdeste o juízo?"

"A Gaivota" (Anton Tchekov)


Não podendo ver a peça, em Lisboa, por o espectáculo estar esgotado, consolo-me a relê-la.

É este homem, fraco de mais para fazer esta proposta absurda e infantil à amante e com quem o autor tão visivelmente se identifica, o homem que, nas suas palavras, passa, olha a rapariga que vive feliz e livre como uma gaivota junto ao lago, e como não tem mais nada que fazer, destrói-a.

E não se pode desprezar Trigorin, nem sentir que devesse ser perseguido por outra justiça que não a da sua própria vida.

Ninguém pode ser julgado. O mesmo olhar piedoso, embora não indulgente, envolve todas as criaturas. E se o amor é uma ferida incurável e o amante infeliz se suicida, só nos chega disso um eco entre os sons da noite.

Na "Gaivota", todos falham necessariamente.

Nunca o teatro nos deu uma tal sensação de exílio da alma.

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